Durante esta semana, tem emergido na comunicação digital o conceito de quiet quitting. Na sua essência, este movimento caracteriza-se por rejeitar determinadas tarefas que estavam instituídas no trabalho, seja por imposição do empregador/chefia, ou por uma aculturação tácita ao sistema. O objetivo desta ideologia consiste em perseguir um equilíbrio entre o trabalho (aquilo que nos permite obter uma remuneração para viver), e o tempo que necessitamos para cuidar do nosso bem-estar (incluindo a saúde mental). Após pesquisa, verifiquei que, por outro lado, existe também a sua antítese – o conceito de quiet firing. Aqui, é o empregador que toma ações que possam promover o despedimento do trabalhador. Sendo este um tema sensível, transversal a todos, há muitas questões que se levantam. Afinal, não existe uma fórmula mágica para ultrapassar esta controvérsia.
“A causa pode estar na falta de entusiasmo e propósito, nas aspirações não atendidas pelos empregadores ou no facto de muitos terem percebido que trabalhar para aquecer não compensa, após verem familiares e amigos dispensados durante a pandemia, apesar dos seus esforços e da sua lealdade”. Zaihad Kahn, impulsionador do movimento quiet quitting no TikTok.
Esta situação é promovida naturalmente pelas gerações mais recentes: Geração Z (até aos 25 anos) e millennials (até aos 40 anos). Isto acontece essencialmente porque a liberdade de expressão através do digital vem permitindo, e bem, movimentar as massas, no sentido de conseguir alterar o paradigma das condições de trabalho, melhorando-as. Adicionalmente, a pandemia veio abrir a caixa de pandora. Percebeu-se que o trabalho remoto e até um menor controlo sobre os trabalhadores não era sinónimo de menor produtividade. Em muitos casos, o contrário. Obviamente, não estão aqui consideradas algumas profissões, como o trabalho fabril, que necessita de mão de obra no local. Lançada a variável da produtividade, penso que este é o factor chave para o equilíbrio entre as forças, ou seja, entre os interesses dos trabalhadores e das entidades empregadoras.
Inevitavelmente, as gerações dos nossos pais (e até avós), levam-nos a achar que, nos seus tempos de maior atividade, havia muito mais resiliência (em resumo) que nos dias de hoje. Não compreendo porque existe ainda tanta insistência em comparar pessoas de diferentes gerações. É a mesma coisa que estarmos a comparar se o Eusébio era melhor que o Cristiano Ronaldo, ou se o Mário Soares dava um melhor primeiro-ministro que o António Costa. Assim como comparar a forma que alguém com 30 anos vê o mundo na atualidade, é bastante diferente da forma como alguém com 30 anos via o mundo há 30 anos atrás. De uma vez por todas, temos de perceber que as regras do jogo, para o bem e para o mal, mudaram. Se são melhores ou piores, isso é outra discussão. Mas são diferentes. Assim, as gerações mais recentes não se devem conformar com situações de abuso laboral, mais frequentes outrora, assim como não devem resumir a sua ligação à entidade empregadora como “a empresa que me paga o salário”.
Penso mesmo que todos, mas mesmo todos, empregados e empregadores, devem refletir para encontrar um equilíbrio. Eis algumas questões para reflexão de parte a parte:
- Definir o conceito de “urgente”. Muitas das vezes, aquilo que é urgente para uns, não o é para outros, sobretudo na relação entre departamentos. Frequentemente, a “urgência” é motivada devido à procrastinação e/ou falta de organização. Urgência é outra coisa bem diferente.
- Gestão de expectativas no emprego. Já pararam para pensar porque é que estão no sítio em que estão? A nossa situação profissional é fruto das nossas escolhas e ações. Decisões melhores ao longo da vida levam, por norma, a uma situação de vida melhor. O emprego não é exceção.
- Porquê tanta reunião? Penso que a pandemia veio ainda mais fomentar a realização de reuniões, devido ao Zoom. Seja para decidir se vamos manter a mesma transportadora ou se vamos comprar outro micro-ondas para a copa. Um melhor planeamento evita reuniões desnecessárias. Atitudes e decisões são preferíveis às reuniões.
- Trabalhar mais não significa maior produtividade. Acham que estão definidas as 8h diárias porque alguém simplesmente se lembrou? A capacidade de processamento do cérebro vai diminuindo ao longo do dia, mesmo em trabalhos menos exigentes fisica e mentalmente.
- O trabalho visto do lado da procura. Assim como na economia, o trabalho deve ser visto do lado da oferta e não do lado da procura. Nós não procuramos trabalho, nós oferecemos trabalho, ok? Devido à procura incessante por profissões de IT para os Z´s e millennials, o paradigma já começa a mudar. Felizmente.
- O Remote veio para ficar. Há muito pouco tempo, era praticamente impossível pensar que podia ter a qualidade de vida de viver na minha aldeia e trabalhar para uma startup em ascensão. Hoje em dia isso é possível. O desgaste e o custo de ir viver para uma grande cidade para trabalhar em determinada área tem tendência a acabar.
- Melhores condições de trabalho. Se as empresas já repararam que é difícil reter talento, porque não pensar em outras formas, não apenas remuneratórias, de manter as pessoas? Porquê continuar apenas com o bónus de performance no final do ano? As coisas estão a acontecer cada vez mais depressa.
- Há muita gente que não se quer esforçar. Em sentido contrário ao ponto anterior, há simplesmente pessoas que não se esforçam ou que preferem ganhar o suficiente para sobreviver, mesmo tendo a possibilidade de ter empregos melhores. Tenho vindo a sentir essa realidade em algumas pequenas empresas em Portugal.
Muito mais haveria a dizer sobre este tema, polémico. Temos sempre a tendência de “puxar a brasa à nossa sardinha”, mas temos de aprender a “ver o outro lado”, aprender a cooperar e a colaborar. Arranjar formas alternativas de fazer melhor, de criar relação. O único elemento comum a tudo o que foi escrito é que se trata de pessoas. Trata-se de fomentar o bem-estar de todos e fazer das pessoas importantes. Não sou adepto do quiet quitting pois não creio que a rejeição completa de executar tarefas seja a solução. Muitas vezes, a solução pode ser rumar para outras paragens, mesmo que nos possamos sentir reféns desse emprego. O nosso bem-estar deve ser trabalhado de forma precoce, todos os dias, antes mesmo da fase do recrutamento. Nunca devemos deixar que nos tratem abaixo daquilo que merecemos. No final, trata-se apenas de aproveitar a vida da melhor forma possível. Concordam?
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