Ontem estava a ouvir um episódio do podcast da Prova Oral, em que o convidado era provavelmente o nome mais afamado da publicidade em Portugal – Edson Athayde. Quando questionado porque é que a publicidade (na televisão) não tinha o mesmo efeito de há 20 anos atrás, o mesmo refere, não exatamente por estas palavras, que hoje a distribuição dos anúncios pelos diversos canais impossibilita que um determinado conteúdo chegue imediatamente às massas. Mesmo que este conteúdo seja de qualidade e consiga entrar na mente das pessoas, estamos essencialmente perante um problema de ausência de massa crítica a consumir o mesmo canal. Para complementar, as marcas já perceberam que uma escolha única pelo canal televisão não é efetiva. Primeiro, porque é muito cara e não conseguimos medir em conreto o retorno nas vendas. Segundo, porque estamos no Youtube, na Netflix, no Facebook, no TikTok, etc…e não a ver televisão.
Os Coldplay vêm a Portugal para dar um concerto, que depressa passou a dois. Até aqui, nada de novo. A promotora do evento, certamente muito bem assessorada, em parceria com o Município de Coimbra, lançou o evento. Acredito que estivessem à espera que esgotasse, uma vez que lançaram uma terceira e uma quarta data ainda durante o mesmo dia. Mostraram método e organização.
“É inédito em Portugal, nunca houve tanta procura para um evento em Portugal!” (Ana Ribeiro, presidente executiva da Ticketline)
Esta situação pôs-me a pensar. De um ponto de vista de marketing, mas sobretudo em termos de economia comportamental, nas verdadeiras motivações desta corrida aos bilhetes. E não é que este fenómeno conseguiu levantar algumas questões interessantes:
- O facto dos bilhetes terem esgotado rapidamente, contribuiu para uma maior procura por parte de outras pessoas que provavelmente não o fariam sem esta condição? Acredito que sim.
- O facto dos concertos serem só 9 meses depois, contribuiu para uma menor procura de bilhetes? Não creio.
- Se os bilhetes fossem mais caros em 10%, haveria uma oscilação negativa na procura? Haveria, mas acredito que não muito siginificativa
- Quais são os principais fatores que levaram a este fenómeno? Na minha opinião, ser uma banda de massas aliado ao “medo de ficar de fora”.
- Qual o peso dos que compraram bilhetes apenas para revenda? Devido à elevada procura, acredito ser uma percentagem residual.
- Qual a percentagem das pessoas que ponderou sequer se estava a efetuar uma compra com valor? Não sei, mas não me parece que tenham tido muito tempo para essa racionalidade.
- Quantas mulheres/homens não compraram o bilhete por ser caro mas sabem que a namorada/o lhes vai oferecer o bilhete no Natal? Provavelmente, muitos/as 🙂
(pesquisa no Google pela palavra-chave “bilhetes coldplay” nos últimos 7 dias em Portugal)
A verdade é que, nestas corridas desenfreadas por obter algo que toda a gente quer, não existe grande margem para pensar. É este o poder do valor das coisas. E das massas. Não é simplesmente aquilo que nós gostamos, mas é essencialmente aquilo que nós não podemos ter (ou corremos o risco de não ter). Há 20 anos atrás, seria impossível esgotar quatro concertos num total de 200 mil pessoas em apenas algumas horas. Há 20 anos atrás, provavelmente seria feita uma mega promoção de tv para anunciar o concerto, e os bilhetes apenas poderiam ser comprados por aqueles que se poderiam deslocar. Esta é a real importância dos canais digitais, que neste tipo de casos são verdadeiros sugadores de consumo, e os organizadores agradecem porque souberam tirar partido deles. Pena, porque provavelmente o Edson faria mais um anúncio genial.
Chego com isto à conclusão de que nem sempre ter um grande conteúdo é suficiente para ser bem sucedido.
Parabéns à organização, que perspetivou esta situação e deu condições às pessoas de adquirirem os bilhetes de forma justa e equalitária (dentro do possível). E como diz o outro, quem não comprou, comprasse.
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