Escrever sobre temas da atualidade tem algum risco. Primeiro, porque a limitação de tempo não permite uma pesquisa adequada. Segundo, porque em pouco tempo, aquilo que foi escrito pode virar-se contra nós. Tenho sempre alguma relutância em dar as minhas opiniões, sobretudo em ecossistemas tão corrosivos como o Facebook. Prefiro lançar os dados, a informação, e observar o feedback. Atualmente, parece que temos obrigatoriamente de pertencer a algum partido político, ou qualquer comunidade que defenda determinados ideais. Não há melhor sensação no mundo do que ser livre de opinião. É nesse seguimento que gosto de escrever, da crítica, da mudança de campo consoante as análises. Tenho sentido que é esse espírito crítico que nos faz crescer, e ajuda-nos a adaptar aos diversos cenários, nos domínios pessoal e profissional. Perdoem-me o parêntesis.
O comportamento humano fascina-me. Assim que foram anunciadas as medidas do nosso primeiro-ministro António Costa para “combater os efeitos da inflação”, a que me saltou à vista foi a distribuição dos 125€ por pessoa. Não é possível ignorar que esta distribuição foi feita para quem recebe um salário bruto até 2700€, o que corresponde a sensivelmente 90% da população portuguesa. Em condições normais, o peso dos 125€ para cada indivíduo iria aumentar quanto mais perto estiver do ordenado mínimo (até do RSI). Quando tive conhecimento da medida, pareceu-me absurdo que a distribuição do mesmo valor (único) para cada pessoa (ativa ou desempregada) fosse disparatado. De acordo com o INE, o salário médio bruto em Portugal é de 1.326,00€. Estamos a falar de praticamente metade dos 2700€ falados anteriormente. No entanto, se tivermos em conta que o salário médio real caiu abruptamente desde a crise de 2010 e não mais voltou aos níveis do passado, estes 125€ acabam por ser significativos para o grosso da população, tendo em conta o valor do salário médio bruto. Não querendo entrar em decisões políticas, que o são, parece-me óbvio que esta medida, apesar de eleitoralista, não o será tanto assim. A carga de impostos para os salários superiores ao salário médio é tão elevada que praticamente nos deixa no mesmo patamar.
A questão, que se impõe, e que dá o título a este artigo, é o que fazer (ou como gerir) estes 125€. Então, numa análise socioeconómica relâmpago, decidi agrupar em três grupos e/ou perfis que irão lidar com este dinheiro:
– Grupo 1: Os mais carenciados, onde estão incluídas pessoas e famílias desempregadas ou que recebem o RSI ou o subsídio de desemprego. Nestes casos, este dinheiro vai permitir um pequeno fôlego nas contas. Será mesmo assim? Não querendo entrar nas causas, o problema de uma distribuição deste género (de uma vez só) é que, por norma, este grupo caracteriza-se por maus gestores. Parece-me que um aumento extraordinário do rendimento destas famílias não vai contribuir apenas para comprar bens de primeira necessidade. É por isso que não sou adepto convicto desta distribuição direta do dinheiro (de uma só vez). Penso que seja papel do governo tomar decisões em função de uma maior ausência de literacia financeira patente neste grupo, mas alinhadas com os direitos igualitários de todos os cidadãos. Reconheço, não é tarefa fácil;
– Grupo 2: As famílias pobres, aquelas que ganham o ordenado mínimo, ou pouco mais, onde incluo também cidadãos ativos que vivem em casa dos seus pais por não terem condições de viverem sozinhos. Ao contrário do primeiro grupo, acredito que poderá ser uma ajuda com maior aproveitamento, em função das razões apresentadas no ponto anterior. Este grupo foi igualmente muito afetado com o aumento de preço dos bens essenciais e do preço dos combustíveis. O valor dos 125€ peca por curto. Nem quero imaginar se têm empréstimos de crédito à habitação indexados à Euribor.
– Grupo 3: Os resistentes, ou aquilo que ainda resta da classe média. O peso deste dinheiro vai depender (e muito) dos custos mensais que têm com a casa, alimentação, carro, creche, etc… Em vez de ir jantar fora, provavelmente deveriam cativar este valor para fazer face a obrigações de curto prazo. Provavelmente, não vai chegar. No entanto, sou mais apologista de um planeamento eficaz dos custos em detrimento de uma poupança austera. Acredito que haja casos onde, ainda assim, a poupança seja quase impossível, como as famílias que vivem nas grandes cidades. De qualquer forma, penso que esta forma de distribuição também não seja um incentivo cabal a estes casos.
Logicamente, esta análise é bastante redutora. Cá estaremos para o ano (ou antes) para sentir os efeitos desta subida de inflação nas famílias, assim como o respetivo combate por parte do governo. Esperemos que as medidas não tardem, e que não sejam a reboque dos principais parceiros da união europeia, como aconteceu. Reforço, até, apelando a alguma proatividade. Ou como em bom português, planeamento estratégico. Nunca é tarde.
Uma palavra para os pensionistas. A observação que faço neste artigo é no sentido de perceber os efeitos práticos dos cidadãos ativos e desempregados. Muito mais haveria a dizer sobre as restantes medidas, sobretudo no que toca às pensões. O facto de estarem numa situação diferente da vida merece um outro olhar, mais cuidado e preciso.
Vivemos tempos conturbados, em que a mariscada é servida à luz das velas.
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